Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo 05737/09

Data
17/09/2015
Relator
António Vasconcelos
Fonte

Execução de acórdão anulatório Limites do caso julgado Vícios próprios dos actos praticados em execução de julgado anulatório


Sumário

I – A eficácia do caso julgado anulatório está circunscrita aos vícios que ditaram a declaração judicial de ilegalidade do acto, nada obstando a que, em execução dessa pronúncia, a Administração emita um novo acto com idêntico núcleo decisório mas expurgado dos referidos vícios.
II – Verificando-se que, no acórdão anulatório exequendo, só foi apreciado e ficou decidido que a previsão do artigo 9º do DL nº 29/2001, de 3/02, também abrangia o contrato administrativo de serviço docente e que, por isso, tinha sido ilegal a não admissão da candidatura do ora Exequente à segunda parte do concurso para professores no ano lectivo de 2002/2003 (com fundamento em que aquele contrato não estava abrangido na previsão do preceito), tem de concluir-se que a execução do julgado anulatório não impunha à Administração a prática de um acto administrativo que tivesse de definir a quota de emprego para candidatos deficientes por referência ao número de lugares postos a concurso a nível nacional.
III- Por conseguinte, o acto administrativo que admitiu o candidato à segunda parte do concurso e que - da metodologia adoptada para determinar a quota de emprego para deficientes, a nível de escola - concluiu não ser possível a sua colocação porque “em nenhuma das escolas de colocação foram apurados três ou mais horários”, foi proferido nos limites do caso julgado.
IV- Os eventuais novos vícios imputados a esse novo acto administrativo não podem ser conhecidos no processo executivo se o Exequente não alegou que a execução perpetrada pela Administração através dele, apesar da conformidade do mesmo com o julgado anulatório, se traduziu numa execução do julgado meramente aparente, que, sem fundamento válido, manteve a situação ilegal constituída pelo acto anulado.
V- Na falta dessa alegação, os novos vícios próprios desse acto superveniente ao julgado anulatório só podem ser conhecidos em processo impugnatório autónomo.


Texto da decisão

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:

JOSÉ……………………………….., devidamente identificado nos autos, veio, ao abrigo dos arts 173º a 179º do CPTA, instaurar contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO processo de execução do acórdão do STA, de 2/04/2009, que confirmou integralmente o acórdão do TCA Sul, de 3/07/2008, que anulara o despacho do Secretário de Estado da Educação que não admitira a candidatura do ora Exequente à segunda parte do concurso de professores para o ano lectivo de 2002/2003 (respeitante ao preenchimento das vagas dos professores não vinculados), por violação do art. 9º do DL 29/2001, de 3/02.

O Exequente sustenta que, após trânsito em julgado daquele acórdão anulatório, a Administração não deu cumprimento ao determinado judicialmente, não tendo reconstituído a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, pelo que entende que, em cumprimento do art. 176º, nº 3 do CPTA, a execução deve consistir nos actos e operações seguintes:

a) Condenação da entidade demandada, aqui executada na correcção e reconstituição do concurso 2002/2003, sabendo o exequente que não ficaria colocado no Quadro de uma escola mas, com toda a certeza que ficaria colocado como contratado, uma vez que foram colocados muitos professores a contrato.

b) Além disso, o número de vagas a concurso tem de ser considerado a nível nacional e não a nível de escola, pois o concurso também não é aberto a nível de escola, mas a nível nacional; daí que havia mais de três horários a nível nacional para que fosse possível a aplicação do DL 29/2001 de 3 de Fevereiro.

c) Ser o exequente ordenado para efeitos de colocação, na escola a que tinha direito com a aplicação do DL 29/2001 no concurso 2002/2003.

d) Reconstituir todos os concursos daí para a frente.

e) Seja paga a remuneração e contado o tempo de serviço correctamente

Formula ainda o Exequente a pretensão de que seja fixado o prazo de um mês para cumprimento do acórdão exequendo e de que seja imposta uma sanção pecuniária compulsória aos titulares dos órgãos incumbidos de proceder à execução.

*

Notificada a entidade demandada nos termos e para os efeitos do art. 177º do CPTA, veio a mesma contestar opondo, em síntese, que deu execução ao acórdão anulatório através do despacho do Director-Geral dos Recursos Humanos da Educação, de 2/06/2009 - comunicado ao Exequente através do ofício com a refª B09036206M, de 10/06/2009 – de concordância com a Informação com a refª B09034816W, de 18/05/2009, onde foi apurado, através de simulação, que:

- Em nenhuma das escolas de colocação foram disponibilizados, no âmbito da segunda parte do concurso para professores no ano lectivo 2002/2003, três ou mais horários para o grupo de docência a que o Autor era candidato;

- Aquela circunstância inviabilizou a reserva de uma quota para candidatos portadores de deficiência no universo de estabelecimentos de ensino relativamente aos quais o Autor era opositor, nos termos em que aquela é gizada tanto pelo art. 3º como pelo nº 1 do art. 8º do DL 29/2001, de 3/02.

*

Notificado o Executado para os termos e efeitos do art. 177º do CPTA, não replicou.

*

Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

*

Com relevância para a decisão são de considerar assentes os seguintes factos:

1- Por acórdão do TCA Sul, de 3/07/2008, proferido no recurso contencioso nº 06790/03 e que que se dá aqui por integralmente transcrito (factos provados e direito), foi anulado o despacho do Secretário de Estado da Administração Educativa, de 29/10/2002, que negara provimento ao recurso hierárquico interposto pelo ora Exequente – opositor ao concurso de professores para o ano lectivo de 2002/2003, primeira e segunda partes, com habilitação própria e profissional para o grupo de docência código 23-História e portador de deficiência traduzida numa incapacidade parcial permanente de 95%, – mantendo a decisão de que o DL 29/2001 não tinha aplicação à segunda parte do concurso de professores, por o contrato administrativo de serviço docente não se enquadrar na previsão do art. 9º desse diploma, quando estende o âmbito de aplicação do diploma também aos processos de selecção de pessoal que se destinem à celebração de contratos de provimento e a contratos de trabalho a termo certo.

2- No acórdão do TCA Sul lê-se, designadamente, que “nada autorizava a DGAE a dispensar o regime previsto nos artigos 1º a 3º do DL 29/2001, à 2ª parte do concurso de professores para o ano lectivo 2002/2003, ou seja, à fase do concurso em que iriam preencher-se as vagas dos professores não vinculados, como era o caso do recorrente, sob pena de violação do já citado art. 9º daquele diploma legal, muito embora tal pudesse não significar a colocação deste, se voltassem a concorrer as razões que levaram a não obter colocação na 1ª parte do concurso, isto é, não virem a ser colocados quaisquer professores no grupo de docência código 23”.

3- Interposto recurso jurisdicional desse acórdão pelo Secretário de Estado da Administração Educativa, por acórdão do STA, de 2/04/2009, que também aqui se dá por transcrito, foi integralmente confirmado o acórdão do TCA Sul, de 3/07/2008.

4- Desse acórdão consta designadamente que o acto contenciosamente impugnado “baseou a sua pronúncia decisória num único fundamento “de jure”: não seria de aplicar à segunda parte do concurso de professores o disposto no art. 9º do DL 29/2001, já que tal preceito apenas alude à “celebração dos contratos administrativos e contratos a termo certo”, realidades estas que fundamentalmente se diferenciariam do fim específico a que se inclinava aquela segunda parte e que era a celebração de contratos administrativos de serviço docente.

Como seria de esperar, foi em torno desse único motivo que se desenrolou a discussão aberta no recurso contencioso. Assim, o ora recorrido asseverou que o contrato administrativo de serviço docente cabia, por interpretação extensiva ou por interpretação analógica, na previsão do art. 9º, de modo a que este seria aplicável à segunda parte do concurso”. O ora recorrente, ao invés, defendeu que tal contrato configura um “tertium genus” relativamente aos previstos naquele artigo, cuja aplicabilidade “in casu” rejeitou. E o acórdão “sub judicio”, dirimindo o dissídio, entendeu que o contrato administrativo de serviço docente se reconduzia à hipótese do art. 9º do DL nº 29/2001 – pelo que o despacho impugnado, ao sustentar o contrário, teria incorrido em erro no seu único pressuposto de direito, assim se justificando a sua anulação.

O presente recurso jurisdicional pretende acometer esse aresto anulatório. Todavia, e surpreendentemente, ele silencia por completo a “quaestio juris” tratada no acórdão (…) – e limita-se a sustentar a bondade do acto numa outra e diferente razão: a de que a metodologia inerente à segunda parte do concurso tornava impossível definir uma quota (…). E é com base neste motivo que o recorrente quer que o STA reconheça a legalidade do acto impugnado (…).

Mas esse resultado é inatingível. O presente recurso jurisdicional revê a decisão de um recurso contencioso onde, por sua vez, se questionara a legalidade de um acto administrativo. Na medida em que este decidira com base num determinado motivo, o juízo sobre se o acto é legal ou ilegal há-de fazer-se à sua luz – e não à luz de quaisquer outros motivos, porventura possíveis mas alheios ao efectivo conteúdo do acto real. Se assim não fosse a averiguação da legalidade esqueceria o acto praticado e incidiria sobre um acto ficto, ou seja, sobre algo que, podendo embora ter existido, nunca chegou realmente à existência.”

5- Com data de 18/05/2009, os serviços da Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação elaboraram a Informação com a refª B09034816W, de que consta o seguinte:

“Assunto: Execução do Acórdão relativo ao processo de José ………………….

1. O docente José …………………….. foi opositor ao concurso de Educadores de Infância e de Professores dos Ensinos básico e secundário para o ano escolar de 2002/2003, à 1ª Parte do concurso, na 7ª prioridade, com qualificação profissional, ao grupo de docência de código 23 – História, não tendo obtido colocação.

2. Foi igualmente opositor à 2ª parte do referido concurso, 6ª prioridade (posição 27), voltando a não obter colocação.

3. Na sequência deste resultado, interpôs recurso hierárquico por não ter sido aplicado o Decreto-Lei nº 29/2001, de 3 de Fevereiro à 2ª Parte do Concurso, por ser portador de deficiência visual.

4. A 29 de Outubro de 2002 foi exarado um despacho de Sua Excelência o Secretário de estado da Educação, negando provimento ao recurso interposto pelo docente.

5. Inconformado com o resultado, interpôs recurso contencioso de anulação para o Tribunal central Administrativo Sul (TCA Sul), tendo obtido decisão favorável.

6. A Administração recorreu, porém o Supremo Tribunal Administrativo que deu razão ao docente, devendo estes serviços proceder à verificação de uma eventual colocação ao abrigo do referido decreto.

7. Solicitado o registo biográfico à actual escola de afectação (código 402485, ES/3 Joaquim Araújo, Penafiel) do Quadro de Zona Pedagógica de provimento (Tâmega, código 22) e analisadas as listas de graduação/colocação da 2ª parte verificou-se que:

a) o professor obteve o primeiro provimento no concurso relativo ao ano lectivo 2006/2007;

b) no ano lectivo 2002/2003 não obteve colocação em escolas do M.E;

c)- o docente tinha o nº de ordem 3406;

d) apenas sete docentes concorreram na prioridade do candidato e obtiveram colocação;

e) em nenhuma das escolas de colocação foram apurados três ou mais horários para ser possível a aplicação do Decreto-Lei nº 29/2001, de 3 de Fevereiro.

Face ao exposto na presente informação, parece de informar o docente em conformidade, dando conhecimento à DSAJC.” – cf. doc. de fls. 97 e 98.

6- Em 24/5/2009, a Directora dos Serviços de Recrutamento de Pessoal Docente informou o Director-Geral dos Recursos Humanos da Educação de que: “No âmbito da execução da decisão do Supremo Tribunal Administrativo e reconstituída a situação hipotética, verifica-se que em nenhuma das escolas de colocação foram apurados três ou mais horários para ser possível a aplicação do Decreto-Lei 29/2001, de 3 de Fevereiro.”- cf. doc. de fls. 99.

7- Sobre essa informação, em 2/06/2009, o Director-Geral proferiu o despacho: “Concordo”- cf. doc. de fls. 99.

8- A Directora-Geral dos Recursos Humanos da Educação enviou ao Exequente a carta com a referência 09036206M, datada de 10/07/2009, de que consta:

Em cumprimento do despacho de 2009/06/02, proferido pelo Director-Geral dos Recursos Humanos da Educação (…) e nos termos do artigo 66º do Código do Procedimento Administrativo, é Vª Exª notificado que após execução da decisão do Supremo Tribunal Administrativo, relativamente ao recurso contencioso interposto à 2ª Parte do concurso nacional de professores, foi-lhe atribuído o número de ordem 3406, não obtendo colocação uma vez que em nenhuma das escolas de colocação foram apuradas três ou mais horários para que fosse possível a aplicação do Decreto-Lei 29/2001, de 3 de Fevereiro.” - cf. doc. de fls. 100.

9- A petição inicial dos presentes autos de execução foi remetida pelo Exequente a este Tribunal, por correio electrónico, em 27 de Novembro de 2009.

*

Tudo visto cumpre decidir.

O Exequente veio, no presente processo, requerer a execução do acórdão do STA, de 2/04/2009, que confirmou integralmente o acórdão do TCA Sul, de 3/07/2008, que anulou o despacho do Secretário de Estado da Administração Educativa, de 29/10/2002, que negara provimento ao recurso hierárquico interposto pelo ora Exequente, mantendo a decisão de que o DL 29/2001 não tinha aplicação à segunda parte do concurso de professores para o ano lectivo 2002/2003, por o contrato administrativo de serviço docente não se enquadrar na previsão do art. 9º desse diploma, quando este preceito estende o âmbito de aplicação do diploma também aos processos de selecção de pessoal que se destinem à celebração de contratos de provimento e contratos de trabalho a termo certo.

Invoca no art. 4º da petição inicial que, “Após trânsito em julgado do acórdão, o aqui executado não deu cumprimento ao determinado judicialmente pela decisão em causa, assim desrespeitando portanto, o dever de executar que sobre ela impende, por força do disposto no art. 174º do CPA”, não fazendo qualquer alusão expressa ao despacho de 2/06/2009, transcrito na factualidade dada como assente, apesar de a acção ter sido instaurada depois da data em que o mesmo lhe foi comunicado. E, na sequência dessa alegada inexecução do acórdão anulatório, o Exequente vem pedir no artigo 7º, als a) e b) da p.i. a condenação da entidade demandada, “na correcção e reconstituição do concurso 2002/2003, sabendo (…) com toda a certeza que ficaria colocado como contratado, uma vez que foram colocados muitos professores a contrato”, devendo o número de vagas a concurso ser apurado a nível nacional, e não a nível de escola, daí resultando existirem “mais de três horários a nível nacional para que fosse possível a aplicação do DL 29/2001 de 3 de Fevereiro”.

Embora sem qualquer alusão expressa, na petição inicial, àquele despacho proferido depois do trânsito em julgado do acórdão exequendo e, consequentemente, sem formulação de qualquer pedido de declaração de nulidade ou anulação desse acto, percebe-se, no entanto, que o Exequente está a insurgir-se contra a metodologia adoptada pela Administração para definir a quota de emprego para candidatos deficientes, vertida no referido despacho de 2/06/2009.

Na verdade, ao entendimento da Administração de que, apurado “apenas que sete docentes concorreram na prioridade do candidato e obtiveram colocação” e que “em nenhuma das escolas de colocação foram apurados três ou mais horários”, não é possível aplicar o DL 29/2001 à segunda parte do concurso, o Exequente, com base no apuramento daqueles sete lugares, vem defender/opor que o número de vagas a concurso deve ser apurado a nível nacional e não a nível de escola, concluindo existirem “mais de três horários a nível nacional para que fosse possível a aplicação do DL 29/2001 de 3 de Fevereiro” à segunda parte do concurso.

*

Posto isto, a primeira questão que há a resolver é saber se, não obstante o despacho de 2/06/2009, ainda se confirma a alegação do Exequente de que “Após trânsito em julgado do acórdão, o aqui executado não deu cumprimento ao determinado judicialmente pela decisão em causa”.

É que, não obstante o Exequente ter omitido a existência desse acto administrativo expressamente dirigido à execução do acórdão anulatório e, consequentemente, não vir pedida a declaração da sua nulidade ou a sua anulação, há que apreciar a conformidade ou desconformidade do referido despacho com o acórdão exequendo e ainda saber, mesmo em face do silêncio do demandante, se este Tribunal deve apreciar se a Administração apenas disfarçou a execução do acórdão através do referido acto, mantendo, sem fundamento válido, a situação ilegal constituída pelo acto anulado.


*

Antes, porém, importa fazer um enquadramento legal da questão.

Por força do disposto no nº 4 do art. 5º da Lei 15/2002, de 22/02, ao presente processo de execução de julgado é aplicável o regime previsto no CPTA, por ter sido instaurado já depois da entrada em vigor deste código.

E, sendo assim, decorre do disposto no art. 173º, nº 1 do CPTA, que, com o trânsito em julgado da decisão judicial anulatória de um acto administrativo, a Administração fica constituída no dever de “reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado”, sem prejuízo de “poder praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado”.

Isto significa que o novo acto que venha a ser proferido pela Administração não pode repetir os vícios que foram reconhecidos na decisão judicial anulatória, sob pena de nulidade (art. 133º, nº 2, al. h) do CPA), mas poderá praticar um novo acto no mesmo sentido desde que, naturalmente, expurgado dos vícios - já reconhecidos - do acto anulado (a repetição destes sempre se volveria numa desconformidade com a sentença anulatória).

É jurisprudência reiteradamente consensual, que os “limites objectivos do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, se determinam pelos vícios (causa de pedir) que fundamentam a decisão, pelo que «a eficácia de caso julgado anulatório se encontra circunscrita aos vícios que ditaram a anulação contenciosa do acto nada obstando, pois, a que a Administração, emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberto dos referidos vícios” (entre outros, acs do STA: de 15/11/2006 (Pleno), proc. nº 01A/02; de 2/7/2008, proc. nº01328-A/03; de 30/09/2010 (Pleno), proc. nº 1 388-A/03; de 18/11/2009, proc. nº 0581/09; de 23/10/2012, proc. 262/12).

Era já assim no domínio da LPTA e DL 256-A/77, prevendo o art. 9º, nº 2 deste último diploma, a declaração de nulidade dos actos desconformes com a sentença anulatória (entre outros, acs. do STA ( Pleno): de 21/6/1991 , proc. nº19 760; de 29/1/1997, proc. nº 27 517; de 08/05/2003, proc. nº 40 821-A).

Porém, o CPTA vai mais longe nos poderes conferidos ao tribunal de execução ao estabelecer, no seu art. 179º, nº 2, a possibilidade - no processo executivo de sentença anulatória (que é o que nos interessa especificamente agora) - de anulação dos actos que mantenham sem fundamento válido, a situação ilegal, permitindo correspondentemente ao Exequente, no seu art. 176º, nº 5, pedir a anulação dos actos supervenientes que, sem fundamento válido, mantenham a situação ilegal constituída pelo acto anulado.

Por conseguinte, no actual regime do processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos, o objecto do processo não se limita à estrita observância do dever de executar o julgado, antes tem uma abrangência que impõe que tenha de ser encarada a questão de saber se, praticando a Administração um “novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado”, eivado eventualmente de novos outros vícios, estes ainda podem ser apreciados e decididos no processo de execução.

A resposta a dar a esta questão, no CPTA, não reúne ainda um consenso alargado na jurisprudência, mas inclinamo-nos para a posição que, na doutrina, vem sendo defendida designadamente pelo prof. Mário Aroso de Almeida e que vem sendo seguida por alguma jurisprudência, e que, sinteticamente, se consubstancia no seguinte:

- Nos casos em que o exequente alega (naturalmente com sustentação objectiva) que os actos praticados em execução do julgado anulatório obstam ilegitimamente à concretização do resultado visado no processo de execução, mantendo, sem fundamento válido, a situação ilegal constituída pelo acto anulado, ou seja, em que o exequente ainda coloca ao tribunal uma situação de inexecução da sentença anulatória, os novos vícios assacados ao acto superveniente devem ser apreciados e decididos no processo executivo;

- nos casos em que o Exequente imputa ao acto praticado em execução do julgado anulatório simplesmente novas ilegalidades subsumíveis “a tipos diferentes de vícios” próprios desse acto - sem colocar ao tribunal uma situação objectiva de inexecução da sentença anulatória - os novos vícios pela primeira vez assacados ao acto superveniente no processo executivo têm de ser apreciados e decididos em processo impugnatório autónomo.

Veja-se Autor citado – “Reinstrução do procedimento e plenitude do processo de execução das sentenças”, in CJA nº 3, pag. 17 e 18 e o mesmo Autor e Carlos Cadilha in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2ª Ed., pag. 950 e 951 (nota 1 ao artigo 167º do CPTA).

Na jurisprudência veja-se, exemplificativamente: o acórdão do STA de 10/09/2009, proc. nº 0164B/04, em cujo sumário se pode ler: “O n° 1 do artigo 167° do CPTA, permite ao exequente deduzir, no âmbito do proc. de execução, o pedido de anulação de actos supervenientes que se consubstanciem numa recusa disfarçada de executar, visando dar uma cobertura formal à situação existente, caso em que a questão suscitada pelo exequente se apresenta ainda como de inexecução do julgado anulatório, podendo ser apreciada no processo executivo.”; e o voto de vencido ao Ac. de do Pleno de 15/11/2006, proc. nº 01A/2006. do Exmº Sr. Conselheiro Jorge Manuel Lopes de Sousa, onde, a dado passo, pode ler-se: “Parece-me que a parte do n.º 2 do art. 179.º que refere a anulação dos actos praticados pela Administração «que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal», não se reporta a situações do tipo da referida nestes autos, em que há desconformidade com o conteúdo que deveria ser dado à relação jurídica disciplinada pelo acto anulado e cuja regulação foi efectuada pelo julgado, visando, antes, permitir a anulação de actos que, embora disciplinem outras relações jurídicas (estabelecidas entre a Administração e outros administrados ou entre a Administração e o mesmo administrado, mas cuja regulação não foi efectuada no julgado exequendo e relativamente às quais, por isso, não se coloca directamente a possibilidade de desconformidade com o julgado), têm influência na reconstituição da situação que existiria se o acto anulado tivesse sido praticado sem as ilegalidades que justificaram a anulação. Essa restrição do campo de aplicação desta norma aos actos que disciplinem outras relações jurídicas decorre de a relação jurídica que foi apreciada pelo julgado ser por ele conformada ou dever vir a sê-lo na execução, como corolário do decidido no processo declaratório. Assim, se a Administração, na sequência do julgado anulatório, relativamente a situações jurídicas não reguladas pelo julgado, praticar actos que tenham como efeito a inviabilidade de concretização da situação que existiria se o acto anulado tivesse sido praticado sem as ilegalidades que reconhecidas no julgado anulatório, a anulação desses novos actos poderá ser apreciada no próprio processo de execução de julgado, o que está em sintonia com a vocação do novo processo executivo para, em conjunto ou em complemento do processo declarativo, assegurar plenamente a concretização prática da tutela dos direitos ou interesses do administrado. (…)”.


*

Feito este breve enquadramento legal, importa agora retomar a caso dos autos e responder à questão que acima enunciámos como carecida de resolução prévia à apreciação dos pedidos executivos formulados pelo Exequente e que se reconduz a saber se, não obstante o despacho de 2/06/2009, ainda se confirma a alegação do Exequente de que “Após trânsito em julgado do acórdão, o aqui executado não deu cumprimento ao determinado judicialmente pela decisão em causa”, ou se, pelo contrário, se confirma a oposição do Executado de que executou o julgado anulatório através desse despacho de 2/06/2009.

Para isso importa fazer uma delimitação precisa da decisão e fundamentação do acórdão exequendo que permita, objectivamente, apreciar e decidir sobre a conformidade ou desconformidade do despacho de 2/06/2009 com o julgado anulatório.

Conforme resulta da factualidade apurada, transcrita como pertinente neste processo de execução, o acto contenciosamente impugnado, que foi judicialmente anulado, foi proferido no âmbito do recurso hierárquico interposto pelo Exequente para o Secretário de Estado da Educação e negou provimento a esse recurso, por concordância com o acto hierarquicamente recorrido que considerara não ser aplicável o DL 29/2001 à segunda parte do concurso de professores para o ano lectivo de 2002/2003, com fundamento em que o contrato administrativo de serviço docente não se enquadrava na previsão legal do art. 9º desse diploma quando este preceito estende o âmbito da sua aplicação aos processos de selecção de pessoal que se destinem à celebração de contratos administrativos de provimento e de contratos de trabalho a termo certo (vide artigos 1 a 3).

A única questão que foi colocada pelo então Recorrente contencioso foi a de decidir se o contrato administrativo de provimento para serviço docente estava, ou não, abrangido na previsão legal do art. 9º do DL 29/2001, tendo o Tribunal decidido afirmativamente e, consequentemente, anulado o acto contenciosamente impugnado.

Ou seja, o vício que estava em causa no recurso contencioso era o de violação de lei por errada interpretação e aplicação daquela disposição legal em que a Administração sustentara a não admissão da candidatura do ora Exequente à segunda parte do concurso, como expressamente consta do acórdão exequendo, embora a propósito do recurso jurisdicional para o STA interposto pelo ora Executado que, silenciando por completo a “quaestio juris” tratada no acórdão recorrido, o atacou com um fundamento diverso.

Da passagem daquele acórdão transcrita no artigo 4 da factualidade dada como assente, decorre que o caso julgado anulatório está limitado à aplicação do art. 9º do DL 29/2001 ao contrato administrativo de serviço docente, obrigando a Administração a admitir a candidatura do ora Exequente à segunda parte do concurso para o ano escolar 2002/2003 e, consequentemente, a apreciar da sua eventual colocação na segunda parte do concurso, em quota reservada nos termos do art. 3º do citado diploma, sem qualquer decisão judicial sobre qual a interpretação a acolher na definição dessa quota – se determinada com referência ao número de lugares postos a concurso a nível nacional ou se determinada pelo número de lugares postos a concurso a nível de escola.

Destarte, a execução do jugado anulatório não impunha ao Executado a prática de um acto administrativo que tivesse de definir a quota de emprego para candidatos deficientes por referência ao número de lugares postos a concurso a nível nacional.

Sendo assim, o despacho de 2/06/2009 - comunicado ao Exequente antes da propositura da presente acção executiva, mas cuja existência o mesmo simplesmente omitiu nestes autos - visando expressamente dar execução ao julgado, admitiu o candidato à segunda parte do concurso e, da metodologia que seguiu para determinar a quota de emprego para deficientes, a nível de escola, concluiu não ser possível a sua colocação porque “em nenhuma das escolas de colocação foram apurados três ou mais horários”.

Ou seja, verificando-se que, no acórdão anulatório, só foi apreciado e ficou decidido que a previsão do art. 9º do DL 29/2001, de 3 de Fevereiro, também abrangia o contrato administrativo de serviço docente e que, por isso, a não admissão da candidatura do ora Exequente à segunda parte do concurso tinha sido ilegal, tem de concluir-se que a execução do acórdão exequendo não impunha ao Executado a prática de um acto administrativo que definisse a quota de emprego para deficientes por referência às vagas a nível nacional e não a nível de escola.

De onde se imponha concluir que o acto de 2/06/2009 foi proferido nos limites do caso julgado, ou seja, em conformidade com o mesmo, não enfermando da nulidade estabelecida no art. 133º, nº 2, al. h) do CPA, de conhecimento oficioso inquestionavelmente no processo de execução.


*

Mas sendo assim e ainda em ordem a apreciar o fundamento da execução proposta pelo Exequente de que, “Após trânsito em julgado do acórdão, o aqui executado não deu cumprimento ao determinado judicialmente pela decisão em causa”, importa saber se, no presente processo executivo, também deve ser sindicado o referido despacho em ordem a apurar se padece de alguma ilegalidade nova, própria desse acto - concretamente um eventual vício de violação de lei por errada interpretação e aplicação do art. 3º do DL 29/2001, que a determinação, a nível de escola, da quota reservada a candidatos portadores de deficiência ainda pudesse configurar - que, embora com uma admissão da candidatura à 2ª parte do concurso (com execução do julgado), mantenha, sem fundamento válido, a situação ilegal constituída pelo acto anulado.

Atendendo, por um lado, ao que ficou supra exposto sobre a abrangência do processo de execução de sentença anulatória e, por outro, à omissão de qualquer alegação do Exequente sobre o despacho de 2/06/2009 (desde logo na petição inicial e mesmo depois de ser notificado nos termos e para os efeitos do art. 177º, nº2 do CPTA) e consequente ausência de um pedido de anulação desse novo acto, fundado na invocação da manutenção, sem fundamento válido, da situação ilegal constituída pelo acto anulado, temos de concluir que não há que conhecer, no presente processo executivo, eventuais novos vícios, próprios do despacho de 2/06/2009.

Em conclusão, não tendo o Exequente alegado que a execução perpetrada pela Administração através daquele acto se traduziu numa execução do julgado meramente aparente, que, sem fundamento válido, manteve a situação ilegal constituída pelo acto anulado, não cabe no âmbito do presente processo a sua anulação por um eventual vício próprio desse novo acto, impondo-se a este Tribunal, em consequência, considerar executado o acórdão exequendo, absolvendo o Ministério da Educação de todos os pedidos formulados pelo Exequente.


*

Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em julgar a presente acção de execução improcedente e absolver a Entidade Demandada de todos os pedidos formulados pelo Demandante Exequente.


*

Custas pelo Exequente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido no processo principal.



Lisboa, 17 de Setembro de 2015

António Vasconcelos
Paulo Pereira Gouveia
Cristina dos Santos