Isenção Reenvio prejudicial Concorrencia Condições Acordos, decisões e práticas concertadas Exceções Acordos verticais Acordos de distribuição exclusiva Regulamento (UE) n.° 330/2010 Restrições graves Conceito de “acordo” Artigo 101.°, n.° 3, TFUE Artigo 4.°, alínea b), i) Proibição de vendas ativas no território atribuído com exclusividade Condição da imposição paralela Prova de vontades concordantes do fornecedor e dos seus compradores Inexistência de vendas ativas de outros compradores no território atribuído com exclusividade ao distribuidor exclusivo
Sumário
Conclusões da advogada-geral Medina apresentadas em 9 de janeiro de 2025.
Texto da decisão
Edição provisória
CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL
LAILA MEDINA
apresentadas em 9 de janeiro de 2025 (1)
Processo C‑581/23
Beevers Kaas BV
contra
Albert Heijn België NV,
Koninklijke Ahold Delhaize NV,
Albert Heijn BV,
Ahold België BV,
Sendo interveniente:
B.A. Coöperatieve Zuivelonderneming Cono
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hof van beroep te Antwerpen (Tribunal de Recurso de Antuérpia, Bélgica)]
« Reenvio prejudicial — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Artigo 101.°, n.° 3, TFUE — Acordos verticais — Regulamento (UE) n.° 330/2010 — Isenção — Artigo 4.°, alínea b), i) — Restrições graves — Exceções — Acordos de distribuição exclusiva — Condições — Proibição de vendas ativas no território atribuído com exclusividade — Condição da imposição paralela — Conceito de “acordo” — Prova de vontades concordantes do fornecedor e dos seus compradores — Inexistência de vendas ativas de outros compradores no território atribuído com exclusividade ao distribuidor exclusivo »
1. O presente pedido de decisão prejudicial do Hof van beroep te Antwerpen (Tribunal de Recurso de Antuérpia, Bélgica) tem por objeto a interpretação do artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento (UE) n.° 330/2010 da Comissão Europeia [também designado por Regulamento de isenção por categoria vertical ou (a seguir «VBER»)] (2). Foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Beevers Kaas BV, por um lado, e a Albert Heijn België NV, aKoninklijke Ahold Delhaize NV, a Albert Heijn BV e a Ahold België BV (a seguir, coletivamente, «sociedades Albert Heijn»), por outro.
2. O litígio diz respeito à alegada violação, por estas últimas, de um acordo de exclusividade celebrado entre a Beevers Kaas e a B.A. Coöperatieve Zuivelonderneming Cono (cooperativa leiteira «Cono») para a distribuição do conhecido queijo Beemster (3) na Bélgica e no Luxemburgo.
I. Quadro jurídico
A. Direito da União
3. O Regulamento n.° 330/2010, que o órgão jurisdicional de reenvio considera aplicável ao litígio no processo principal, sucedeu, com efeitos a partir de 1 de junho de 2010, ao Regulamento (CE) n.° 2790/1999 da Comissão (4). Em conformidade com o artigo 10.°, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 330/2010, esse regulamento caducou em 31 de maio de 2022.
4. O artigo 2.° do Regulamento n.° 330/2010 estabeleceu uma isenção ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE para os acordos verticais que contêm restrições verticais (a seguir «isenção por categoria»).
5. O artigo 4.° do Regulamento n.° 330/2010 dizia respeito às «restrições graves», que, com algumas exceções, não podiam beneficiar da isenção por categoria prevista no artigo 2.° do mesmo regulamento. O artigo 4.° dispunha:
«A isenção prevista no artigo 2.° não é aplicável aos acordos verticais que, direta ou indiretamente, isoladamente ou em combinação com outros fatores que sejam controlados pelas partes, tenham por objeto:
[…]
b) A restrição do território no qual, ou dos clientes aos quais, o comprador parte no acordo, sem prejuízo de uma eventual restrição relativa ao seu local de estabelecimento, pode vender os bens ou serviços contratuais, exceto:
i) a restrição das vendas ativas no território exclusivo ou a um grupo exclusivo de clientes reservados ao fornecedor ou atribuídos pelo fornecedor a outro comprador, desde que tal restrição não limite as vendas dos clientes do comprador,
[…]»
6. O Regulamento (UE) 2022/720 da Comissão (5), que sucedeu ao Regulamento n.° 330/2010, entrou em vigor em 1 de junho de 2022 e caduca em 31 de maio de 2034, nos termos dos seus artigos 10.° e 11.°
7. As Orientações da Comissão Europeia relativas às restrições verticais (6) foram publicadas simultaneamente com a adoção do Regulamento n.° 330/2010.
8. Nos termos do ponto 25 das Orientações de 2010:
«[...]
a) O [Regulamento n.° 330/2010] aplica‑se a acordos e práticas concertadas [...] Para que exista um acordo na aceção do artigo 101.° [TFUE] é suficiente que as partes expressem a sua vontade comum de se comportarem no mercado de uma determinada forma. A forma como essa intenção é expressa não é importante, desde que constitua a expressão fiel dessa intenção. No caso de não existir um acordo explícito que manifeste a concordância de vontades, a Comissão terá de provar que a política unilateral de uma das partes pressupõe a aceitação da outra. No âmbito dos acordos verticais, a aceitação de uma determinada política unilateral pode ser determinada de duas formas. Em primeiro lugar, a aceitação pode ser deduzida dos poderes conferidos às partes num acordo geral preestabelecido. Se as cláusulas de um acordo geral preestabelecido preveem que uma parte adote subsequentemente uma política unilateral específica vinculativa para a outra parte, ou a autorizam a fazê‑lo, a aceitação dessa política pela outra parte pode ser estabelecida com base em tais cláusulas. [...] Em segundo lugar, na ausência de tal aceitação explícita, a Comissão pode demonstrar a existência de uma aceitação tácita. Para tal, é necessário demonstrar, em primeiro lugar, que uma parte solicitou, explícita ou implicitamente, a cooperação da outra parte na aplicação da sua política unilateral e, em segundo, que esta última cumpriu tal exigência aplicando na prática a política unilateral. [...] [No] âmbito dos acordos verticais, essa aceitação pode ser deduzida a partir do nível de coação exercido por uma parte no sentido de impor a sua política unilateral à outra parte ou partes no acordo e também do número de distribuidores que efetivamente aplicam na prática a política unilateral do fornecedor. Por exemplo, um sistema de controlo e de sanções, criado por um fornecedor para penalizar os distribuidores que não cumprem a sua política unilateral, é indiciador de uma aceitação tácita da política unilateral do fornecedor se tal sistema permitir a este último aplicar na prática a sua política. [...]»
9. O ponto 51 das Orientações de 2010 refere o seguinte:
«Existem quatro exceções à restrição grave constante do artigo 4.°, alínea b), do [Regulamento n.° 330/2010]. A primeira exceção do artigo 4.°, alínea b), subalínea (i), permite que um fornecedor restrinja as vendas ativas de um comprador parte no acordo a um território ou a um grupo de clientes que tenha sido atribuído de forma exclusiva a um outro comprador ou que o fornecedor tenha reservado para si próprio. Está‑se perante uma atribuição exclusiva de um território ou de um grupo de clientes quando o fornecedor acorda em vender o seu produto a um único distribuidor para distribuição num território específico ou a um grupo de clientes específico e o distribuidor exclusivo está protegido contra as vendas ativas no seu território ou ao seu grupo de clientes por todos os outros compradores do fornecedor na União, independentemente das vendas do fornecedor. O fornecedor pode combinar a atribuição de um território exclusivo e de um grupo de clientes exclusivo com, por exemplo, a designação de um distribuidor exclusivo para um determinado grupo de clientes num certo território. Esta proteção de territórios atribuídos de forma exclusiva permite as vendas passivas nesses territórios ou a esses grupos de clientes. Para efeitos de aplicação do artigo 4.°, alínea b), do [Regulamento n.° 330/2010], a Comissão interpreta vendas “ativas” [...] da seguinte forma:
‑ Entende‑se por vendas “ativas”, a abordagem ativa de clientes individuais através de, por exemplo, publicidade por correio, incluindo o envio de correio eletrónico não solicitado, ou visitas, ou a abordagem ativa de um grupo de clientes específico ou de clientes num território específico através de publicidade nos meios de comunicação, na Internet ou outras promoções especificamente destinadas a esse grupo de clientes ou orientadas para clientes nesse território. Considera‑se venda ativa a um grupo de clientes específico ou a clientes num território específico, a publicidade ou a promoção que, sendo apenas atraente para o comprador (também) atinge esse grupo de clientes ou clientes nesse território.
[…]»
B. Direito belga
10. O artigo VI.104 do Wetboek van economisch recht (Código de Direito Económico, a seguir «WER»), de 28 de fevereiro de 2013, estabelece:
«É proibido qualquer ato contrário a práticas de mercado leais, pelo qual uma empresa prejudique ou possa prejudicar os interesses profissionais de uma ou mais empresas.»
II. Factos na origem do litígio no processo principal e questões prejudiciais
11. A Beevers Kaas, recorrente no processo principal, é a distribuidora exclusiva na Bélgica do queijo Beemster, que adquire ao produtor Cono, uma sociedade estabelecida nos Países Baixos.
12. Desde 1 de janeiro de 1993, existe um acordo de exclusividade entre a Cono e a Beevers Kaas para a distribuição do queijo Beemster na Bélgica e no Luxemburgo (a seguir «acordo de exclusividade»).
13. As sociedades Albert Heijn exercem a sua atividade no setor de supermercados na Bélgica e nos Países Baixos. São compradoras (7) dos queijos Beemster produzidos pela Cono para os mercados fora da Bélgica e do Luxemburgo.
14. A Beevers Kaas acusa as sociedades Albert Heijn de violarem práticas comerciais leais ao exercerem, na Bélgica, atividades que têm por efeito direto ou indireto violar os seus direitos de exclusividade ao abrigo do acordo de exclusividade, não obstante terem conhecimento de que a Cono está vinculada por esse acordo.
15. Segundo as sociedades Albert Heijn, a Beevers Kaas e a Cono pretendem impor‑lhes uma proibição de vendas ativas, o que é proibido. Consideram que o acordo de exclusividade não obriga a Cono a proteger a Beevers Kaas das vendas ativas de outros compradores e que não preenche as rigorosas condições do direito da concorrência para justificar uma proibição de revenda.
16. Por Sentença de 9 de julho de 2021, o presidente do ondernemingsrechtbank Antwerpen (Tribunal das Empresas de Antuérpia, Bélgica) julgou improcedente a ação intentada pela Beevers Kaas, com o fundamento de que «não decorre de nenhuma disposição contratual ou legislativa que as empresas estão proibidas de se abastecerem diretamente, nos Países Baixos, junto da Cono e de distribuírem [esses produtos] na Bélgica». O presidente desse tribunal sublinhou, nomeadamente, o facto de o acordo de exclusividade prever apenas que a Cono não podia vender, ela própria, a distribuidores belgas. A interpretação defendida pela Beevers Kaas implicaria que todas as empresas, independentemente de onde estiverem sediadas, teriam de cumprir o referido acordo e abster‑se de vender o queijo da Cono na Bélgica. Do mesmo modo, a Beevers Kaas não beneficia de qualquer proteção contratual no seu território exclusivo na Bélgica contra as vendas ativas de outros compradores que se abastecem junto da Cono.
17. A Beevers Kaas interpôs recurso dessa sentença no Hof van beroep te Antwerpen (Tribunal de Recurso de Antuérpia), que é o órgão jurisdicional de reenvio.
18. Perante esse órgão jurisdicional, as partes discordam quanto ao cumprimento, pelo acordo de exclusividade, das condições previstas no artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010 e, em especial, da denominada «condição da imposição paralela». Por força dessa condição, o fornecedor é obrigado a proteger o seu distribuidor exclusivo contra vendas ativas no território exclusivo por todos os seus outros distribuidores/compradores no Espaço Económico Europeu (EEE).
19. Por Acórdão interlocutório de 27 de abril de 2022, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu o litígio relativo ao conteúdo e ao alcance do acordo de exclusividade a favor da Beevers Kaas, declarando que esta tinha demonstrado que as sociedades Albert Heijn tinham, pelo menos tacitamente, aceitado a proibição de vendas ativas. No entanto, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a Beevers Kaas tem igualmente de demonstrar que todos os distribuidores/compradores, diferentes das sociedades Albert Heijn, aceitaram tal proibição.
20. O órgão jurisdicional de reenvio concorda com uma observação da autoridade nacional da concorrência belga (a seguir «ANC»), que o mesmo pediu que interviesse na qualidade de amicus curiae, segundo a qual a condição da imposição paralela deve estar preenchida para se poder legalmente proibir as vendas ativas. Essa condição deve ser interpretada à luz do conceito de «acordo» na aceção do artigo 101.° TFUE e do artigo IV.1 do WER.
21. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que o Regulamento n.° 330/2010 e as Orientações de 2010 não especificam de que forma o fornecedor deve proteger os seus distribuidores exclusivos de vendas ativas no território exclusivo feitas pelos seus outros compradores. Em especial, não indicam de que modo o fornecedor deve comunicar a proibição de vendas ativas aos seus outros compradores, nem de que forma esses compradores devem aceitar a proibição.
22. No caso em apreço, não há provas da aceitação expressa da proibição de vendas ativas por todos os outros compradores da Cono. A ANC considera que o órgão jurisdicional de reenvio pode deduzir a aceitação tácita dessa proibição pelo simples facto de, atualmente, nenhum desses compradores vender na Bélgica produtos adquiridos à Cono. A Beevers Kaas subscreve este entendimento e considera, deste modo, que fez prova bastante de que todos os compradores da Cono aceitaram a proibição de vendas ativas.
23. Em contrapartida, as sociedades Albert Heijn consideram que, para que haja uma aceitação tácita, a Beevers Kaas deve demonstrar que a estratégia da Cono (designadamente, a de que nenhum produto Beemster comprado nos Países Baixos pode ser vendido ativamente na Bélgica) foi comunicada a todos os seus compradores.
24. Nestas circunstâncias, o Hof van beroep te Antwerpen (Tribunal de Recurso de Antuérpia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Pode considerar‑se preenchida a condição da imposição paralela, prevista no artigo 4.°, alínea b), i), do [Regulamento n.° 330/2010], podendo, por isso, o fornecedor que preenche as restantes condições [deste regulamento] proibir validamente as vendas ativas de um dos seus compradores num território atribuído com exclusividade a outro comprador, apenas com base na constatação de que os outros compradores não vendem ativamente nesse território? […] [A] mera constatação de que esses outros compradores não vendem ativamente no território atribuído com exclusividade é suficiente para demonstrar a existência de um acordo entre esses outros compradores e o fornecedor no que respeita à proibição das vendas ativas?
2) Pode considerar‑se preenchida a condição da imposição paralela, prevista no artigo 4.°, alínea b), i), do [Regulamento n.° 330/2010], podendo, por isso, o fornecedor que preenche as restantes condições [deste regulamento] proibir validamente as vendas ativas de um dos seus compradores num território atribuído com exclusividade a um único comprador, quando o fornecedor só obtenha a aceitação dos seus outros compradores se e quando estes se preparem para vender ativamente no território atribuído com exclusividade? Ou é, pelo contrário, necessário que tal aceitação tenha sido obtida de cada comprador do fornecedor, independentemente da questão de saber se esse comprador se prepara para vender ativamente no território atribuído com exclusividade?»
III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça
25. Foram apresentadas observações escritas pela Beevers Kaas, pelas sociedades Albert Heijn, pela Cono, pelo Governo Belga e pela Comissão. Foi realizada uma audiência em 16 de outubro de 2024, na qual essas partes estiveram representadas.
IV. Apreciação
A. Primeira questão prejudicial
26. Com a presente questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010 deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que um fornecedor tenha atribuído um território exclusivo a um determinado distribuidor, a simples constatação de que os seus outros compradores (ou seja, os compradores que não beneficiam desse acordo de exclusividade específico) não efetuam vendas ativas nesse território é suficiente para demonstrar a existência de um acordo entre esse fornecedor e esses outros compradores sobre a proibição de vendas ativas no referido território.
1. A questão de saber se a condição da imposição paralela é abrangida pelo artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010
27. Na sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio invoca a condição da imposição paralela. Para responder a esta questão, há que examinar se os elementos previstos no artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010 permitem ao Tribunal de Justiça concluir — pela primeira vez na sua jurisprudência — que este artigo contém uma condição de imposição paralela, apesar de o mesmo não mencionar expressamente tal condição.
28. Importa ter presente que, para determinar o alcance de uma disposição de direito da União, há que ter em conta ao mesmo tempo os seus termos, o seu contexto e os objetivos prosseguidos (8).
29. Considero oportuno começar pelo contexto do artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010.
30. O artigo 2.° deste regulamento prevê, em determinadas condições, uma isenção por categoria da proibição prevista no artigo 101.°, n.° 1, TFUE para os acordos verticais, criando assim uma zona de segurança para esses acordos.
31. Simultaneamente, exclui do benefício da isenção por categoria certos tipos de acordos verticais que, independentemente da quota de mercado das empresas em causa, contêm certos tipos de restrições graves da concorrência. Trata‑se de acordos que contêm restrições graves, tal como previsto no artigo 4.° do referido regulamento.
32. Por conseguinte, nos termos do artigo 4.°, alínea b), do Regulamento n.° 330/2010, a isenção por categoria prevista não é aplicável aos acordos verticais que, direta ou indiretamente, tenham por objeto a restrição do território no qual, ou dos clientes aos quais, um comprador parte no acordo pode vender os bens ou serviços contratuais, sem prejuízo de uma restrição quanto ao seu local de estabelecimento.
33. O artigo 4.°, alínea b), do Regulamento n.° 330/2010 previa, no entanto, quatro exceções. As restrições abrangidas por essas exceções não são consideradas por este regulamento como restrições graves e, como tal, não resultam na retirada do benefício da isenção por categoria para o acordo em questão. Por outras palavras, a referida disposição permite que quatro tipos de restrições continuem a estar abrangidos pela isenção por categoria.
34. A este respeito, importa recordar que o referido artigo prevê quatro exceções (a uma exceção) e as exceções à regra devem ser interpretadas de modo restritivo (9).
35. Isto leva‑me ao objetivo do artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010. O seu objetivo, que decorre da sua redação, era isentar as restrições impostas às vendas ativas no território exclusivo de um distribuidor/comprador (a seguir «proibição de vendas ativas») (10), quando tais restrições constem de um acordo vinculativo entre o fornecedor e os seus outros compradores (11).
36. Por conseguinte, no caso em apreço, a exceção prevista nessa disposição permite — desde que as condições nela estabelecidas estejam preenchidas — que o fornecedor (Cono) atribua um território com exclusividade a um dos seus distribuidores/compradores (Beevers Kaas) e, ao mesmo tempo, restrinja as vendas ativas dos seus outros compradores nesse território.
37. No que diz respeito à redação do artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010, como observei acima (12) e como também foi claramente explicado no relatório de peritos sobre a revisão do Regulamento de Isenção por Categoria Vertical (13), a condição da imposição paralela ‑ ou seja, uma condição para permitir que uma restrição de vendas ativas beneficie da isenção por categoria, que enquadraria a relação entre o fornecedor (Cono) e todos os seus distribuidores/compradores no presente caso, «não consta expressamente [da redação] do artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010, mas está associada, no ponto 51 das Orientações de 2010, ao conceito de “atribuição exclusiva”». Por conseguinte, há que determinar se essa condição faz parte do artigo 4.°, alínea b), i), e constitui, assim, uma condição a preencher para que este artigo seja aplicável num caso como o do processo principal.
38. Se assim for apurado, a condição da imposição paralela significaria que a atribuição de exclusividade territorial a um distribuidor/comprador específico (Beevers Kaas) e a aplicação da proibição de vendas ativas a todos os outros compradores é acompanhada de uma obrigação do fornecedor (Cono) de proteger os direitos de distribuição exclusiva desse comprador em relação a todos os seus outros compradores.
39. O conceito de «distribuição exclusiva» refere‑se a uma situação em que um território (ou grupo de clientes) é «atribuído de forma exclusiva», ou seja, quando o fornecedor acorda em vender o seu produto a um único comprador para distribuição num território específico (ou a um grupo de clientes específico) (14).
40. Em primeiro lugar, a meu ver, decorre implicitamente (15) da redação do artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010, e, em especial, do termo «território exclusivo», que um fornecedor pode atribuir um território exclusivo a um dos seus compradores. A designação de um território exclusivo implica necessariamente a atribuição do direito de distribuir o produto nesse território específico a um único comprador. Para que a exclusividade seja significativa, o exercício do direito concedido a esse comprador deve ser protegido contra potenciais violações. Por conseguinte, se um fornecedor decidir fazer uso da exceção às restrições graves, esse fornecedor está sujeito à obrigação correspondente de assegurar o efeito útil da atribuição exclusiva de um território, nomeadamente protegendo o comprador em causa contra vendas ativas nesse território por todos os outros compradores desse fornecedor.
41. Com efeito, como salientou, em substância, o órgão jurisdicional de reenvio, a possibilidade de um fornecedor atribuir, com exclusividade, um determinado território a um dos seus distribuidores/compradores ficaria privada de qualquer efeito útil se o distribuidor/comprador exclusivo não estivesse protegido contra vendas ativas nesse território pelos outros compradores do fornecedor (16). A este respeito, recordo que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, quando uma disposição do direito da União é suscetível de várias interpretações, deve dar‑se prioridade à que seja adequada para salvaguardar o seu efeito útil (17).
42. Em segundo lugar, decorre explicitamente da redação do artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010 que um fornecedor pode restringir as vendas ativas de outros compradores no território exclusivo. Esta possibilidade seria privada da sua essência e ficaria desprovida de qualquer efeito útil se não fosse acompanhada da obrigação de o fornecedor garantir que a restrição de vendas ativas é efetivamente cumprida por esses outros compradores. Ao mesmo tempo, há que salientar que tal obrigação só existe se o fornecedor pretender fazer uso da exceção prevista no artigo 4.°, alínea b), i), e se de facto o fizer.
43. Daqui resulta que, ao permitir restrições às vendas ativas num «território exclusivo», o Regulamento n.° 330/2010 inclui a condição da imposição paralela no regime do seu artigo 4.°, alínea b), i).
44. O considerando 5 do Regulamento n.° 330/2010 explica que «[o] benefício da isenção por categoria estabelecido pelo presente regulamento deve ser reservado aos acordos verticais em relação aos quais se pode considerar com suficiente segurança que preenchem as condições estabelecidas no artigo 101.°, n.° 3, [TFUE]».
45. Os considerandos 6 e 7 do referido regulamento explicam que certos tipos de acordos verticais podem melhorar a eficiência económica, conduzir a uma redução dos custos das transações e a uma otimização das vendas e dos níveis de investimento. Resulta destes considerandos que tais efeitos de ganhos de eficiência podem compensar eventuais efeitos anticoncorrenciais, desde que estejam preenchidas as condições do referido regulamento.
46. Por último, o considerando 10 do Regulamento n.° 330/2010 refere, em especial, que «[o] presente regulamento não deve isentar acordos verticais que contenham restrições suscetíveis de restringir a concorrência e de prejudicar os consumidores e que não sejam indispensáveis à obtenção dos efeitos de aumento de eficiência».
47. Consequentemente, pode‑se considerar que acordos como os que estão em causa no presente processo cumprem, em princípio, as condições estabelecidas no artigo 101.°, n.° 3, TFUE. No entanto, para que a exceção prevista no artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010 produza esses efeitos de ganho de eficiência, é necessário que as condições dessa exceção estejam preenchidas e sejam efetivamente aplicadas pelas partes em causa. Por outras palavras, um acordo específico ou uma prática concertada específica só estarão isentos da proibição geral se as condições prescritas pelo referido regulamento forem efetivamente aplicadas e forem suscetíveis de produzir tais efeitos de ganhos de eficiência. No contexto da exceção prevista no artigo 4.°, alínea b), i), esse objetivo só poderá ser alcançado se a exclusividade e a proibição de vendas ativas forem combinadas com uma proteção efetiva da exclusividade atribuída pelo fornecedor.
48. Tendo em conta o objetivo da isenção por categoria prevista pelo Regulamento n.° 330/2010, tal como indicado nos seus considerandos, a razão subjacente ao estabelecimento da condição da imposição paralela reside no facto de o artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010 só ser aplicável a acordos de exclusividade que incentivam verdadeiramente o distribuidor exclusivo a investir nas suas atividades de venda no território exclusivo (18).
49. Em tal situação, para garantir esse estímulo, é necessário que o fornecedor limite efetivamente as vendas ativas de todos os outros compradores no EEE no território exclusivo (19).
50. A interpretação supra da redação do Regulamento n.° 330/2010 foi incluída nas Orientações de 2010 da Comissão, que acompanharam este regulamento. A este respeito, recordo que, embora, enquanto instrumento não vinculativo, essas orientações não vinculem o Tribunal de Justiça, não é menos verdade que a Comissão é a autora do referido regulamento e que, por conseguinte, as orientações que o acompanham constituem, em princípio, um instrumento pertinente para compreender corretamente o que o legislador (neste caso, a Comissão) quis dizer. Com efeito, no passado, o Tribunal de Justiça invocou essas mesmas orientações em apoio da sua interpretação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE (20). Essa leitura do artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010, à luz das orientações que o acompanham, está em conformidade com os objetivos desse regulamento que, em conjunto com as orientações, visa garantir a segurança jurídica e a aplicação uniforme do direito da concorrência, em especial do artigo 101.° TFUE, na União.
51. Com efeito, o ponto 51 das Orientações de 2010 explica que «[e]stá‑se perante uma atribuição exclusiva de um território ou de um grupo de clientes quando o fornecedor acorda em vender o seu produto a um único distribuidor para distribuição num território específico ou a um grupo de clientes específico e o distribuidor exclusivo está protegido contra as vendas ativas no seu território ou ao seu grupo de clientes por todos os outros compradores do fornecedor na União [Europeia], independentemente das vendas do fornecedor» (o sublinhado é meu). Consequentemente, a explicação dada pela Comissão nas suas orientações combina a exclusividade e a restrição das vendas ativas à necessidade de assegurar a proteção dos direitos decorrentes desses acordos.
52. Resulta das considerações precedentes que a condição da imposição paralela faz parte do regime do artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010 e que, neste contexto, as Orientações de 2010 pretendem esclarecer a forma como as condições desta disposição devem ser aplicadas na prática.
53. Considero que a interpretação acima exposta é confirmada pelo novo regulamento, ou seja, o Regulamento 2022/720, que substituiu o Regulamento n.° 330/2010 e que, como explicado no seu considerando 2, se baseia na experiência globalmente positiva da aplicação do Regulamento n.° 330/2010.
54. Como a Comissão explicou na audiência, o Regulamento 2022/720, tendo sido adotado com o objetivo de clarificar certos elementos, define agora explicitamente o conceito de «sistema de distribuição exclusiva». Por conseguinte, a fim de melhor explicar as regras e de proporcionar segurança jurídica aos operadores que invocam o Regulamento de Isenção por Categoria, o novo regulamento inclui — na definição de sistema de distribuição exclusiva — a condição da imposição paralela. Por outras palavras, este regulamento inclui agora uma definição expressa das condições relativas a esse sistema de distribuição, que, em meu entender, o regulamento anterior previa de forma implícita. O novo regulamento pretende claramente associar a condição da imposição paralela à exclusividade (21).
55. A este respeito, as Orientações de 2022 relativas às restrições verticais (22) explicam que «[a] fim de preservar os seus incentivos ao investimento, o fornecedor deve proteger os seus distribuidores exclusivos contra as vendas ativas, incluindo a publicidade em linha direcionada, no seu território exclusivo ou ao seu grupo de clientes exclusivo efetuadas pelos outros compradores do fornecedor».
2. Como é que a condição da imposição paralela pode ser preenchida?
56. Resulta da análise precedente que, para que a condição da imposição paralela esteja preenchida no caso em apreço, é necessário, primeiro, demonstrar que existia ou que existe um acordo entre o fornecedor (a Cono) e todos os seus compradores. Com efeito, decorre da lógica do regime de isenção previsto no artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010 que a exceção às «restrições que implicam a retirada do benefício da isenção por categoria — restrições graves» só se torna aplicável quando as partes (o fornecedor e os seus compradores) aceitem cumprir as condições previstas nesse artigo.
57. Creio que, no espírito do artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010, a forma mais óbvia de demonstrar o cumprimento da condição da imposição paralela seria incluir uma cláusula explícita nos acordos escritos vinculativos celebrados entre o fornecedor e todos os seus outros compradores que restrinja as vendas ativas (23). Esta seria a solução preferível à luz do princípio da segurança jurídica. A este respeito, refira‑se que, no processo principal, já foi decidido, por sentença transitada em julgado, que a exclusividade concedida à Beevers Kaas implicava necessariamente a obrigação de a Cono proteger essa empresa contra vendas ativas de todos os outros compradores na Bélgica e no Luxemburgo (24).
58. Tendo em conta que o litígio do processo principal aparentemente não inclui tais cláusulas expressas (25) nem acordos escritos, as principais questões a analisar no presente processo são, por um lado, a qualificação jurídica da relação entre o fornecedor (a Cono) e os seus outros compradores e, por outro, a determinação das consequências que devem ser retiradas dessa relação.
59. Dada a falta de especificação no Regulamento n.° 330/2010 quanto à forma como a condição da imposição paralela deve ser preenchida, em especial para demonstrar que as partes concordaram com as condições subjacentes a essa condição, é necessário ter em conta o conceito de acordo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE.
60. Daqui resulta — como sugere o órgão jurisdicional de reenvio no despacho de reenvio — que importa examinar se existia, paralelamente ao acordo de exclusividade entre a Cono e a Beevers Kaas, um acordo, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, entre o fornecedor Cono e os seus outros compradores relativo a uma proibição de vendas ativas no território exclusivo atribuído à Beevers Kaas.
61. A jurisprudência do Tribunal de Justiça esclarece, nomeadamente, que «para constituir um acordo na aceção do artigo [101.°, n.° 1, TFUE], basta que um ato ou um comportamento aparentemente unilaterais sejam a expressão da vontade concordante de pelo menos duas partes, não sendo a forma como se manifesta essa concordância, por si só, determinante» (26).
62. Além disso, a referida jurisprudência salienta que «[a] vontade das partes pode resultar tanto das cláusulas do contrato de concessão em questão como do comportamento das partes, nomeadamente da eventual existência de uma aceitação tácita, por parte dos concessionários, da instrução do construtor» (27). Esse raciocínio é igualmente aplicável a uma relação entre um fornecedor e os seus distribuidores/compradores, como a que está em causa no processo principal.
63. De acordo com a jurisprudência Bayer (28), tal acordo não se pode basear no que é apenas a expressão de uma política unilateral de uma das partes contratantes, que pode ser executada sem a assistência de outrem. Para que se possa considerar concluído por aceitação tácita um acordo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, «é necessário que a manifestação de vontade de uma das partes contratantes, com um objetivo [anticoncorrencial], constitua um convite à outra parte, quer seja expresso ou implícito, para a realização comum de tal objetivo» (29).
64. Para reconhecer a existência de um acordo para efeitos do artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010 e da exceção nele prevista, há que invocar essa jurisprudência, o que significa que é necessário demonstrar (i) um convite do fornecedor no sentido de fazer uso dessa exceção e (ii) pelo menos uma aceitação tácita desse convite pelos seus compradores.
65. A jurisprudência relevante encontra também expressão nas Orientações de 2010 da Comissão (30). Decorre destas orientações que, quando a intenção não é demonstrada num acordo expresso, há que demonstrar que a estratégia unilateral de uma parte é aceite pela outra. Existe aceitação tácita quando uma parte dirige à outra um convite explícito ou implícito para cooperar na execução dessa estratégia unilateral e esta última aceita subsequentemente o convite ao implementar a referida estratégia.
66. O recente acórdão proferido no processo Super Bock (31) clarifica e codifica essa jurisprudência. Pode deduzir‑se desse acórdão que, para efeitos da aplicação da condição da imposição paralela (isto é, para demonstrar a existência de um acordo entre o fornecedor e os seus outros compradores), importa determinar se houve uma vontade concordante das partes, que pode resultar tanto das cláusulas do contrato de distribuição como do comportamento das partes e, nomeadamente, da eventual existência de uma aceitação, expressa ou tácita, por parte dos distribuidores (32).
67. Esse acórdão (33) — proferido num processo em que um fornecedor impunha certas restrições aos seus distribuidores, nomeadamente preços mínimos de revenda — esclarece que «para que haja “acordo”, na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, basta que as empresas em causa tenham manifestado a sua vontade comum de se comportarem no mercado de uma forma determinada».
68. Em seguida, o Tribunal de Justiça recorda nesse acórdão (34) que «[u]m acordo não pode, assim, basear‑se na expressão de uma política puramente unilateral de uma parte num contrato de distribuição».
69. No entanto, o Tribunal de Justiça observa no mesmo acórdão (35) que «um ato ou um comportamento aparentemente unilaterais constituem um acordo, na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, se forem a expressão da vontade concordante de, pelo menos, duas partes, não sendo a forma como se manifesta essa concordância, per se, determinante».
70. Por conseguinte, essa vontade concordante das partes pode resultar «das cláusulas do contrato de distribuição em causa […] e, nomeadamente, da eventual existência de uma aceitação, expressa ou tácita, por parte dos distribuidores, de um convite para cumprir [a condição em causa]» (36).
71. Daqui resulta que, para demonstrar que a condição da imposição paralela relativamente aos outros distribuidores/compradores da Cono está preenchida no processo principal, existem várias alternativas para mostrar que as condições do artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010 foram preenchidas.
72. Em primeiro lugar, a proibição de vendas ativas pode estar expressamente prevista no contrato de distribuição celebrado com cada distribuidor/comprador, o que não se afigura ser o caso no processo principal.
73. Em segundo lugar, a aceitação explícita de outros compradores que não a Beevers Kaas poderia, em determinadas circunstâncias, ser deduzida dos poderes conferidos às partes no acordo por elas celebrado (37). Seria esse o caso se os acordos celebrados entre a Cono e os seus outros compradores conferissem à primeira o poder de impor proibições de vendas ativas nos territórios que tivesse atribuído, ou que viesse a atribuir, com exclusividade a um ou vários compradores específicos.
74. Em terceiro lugar, é possível invocar a jurisprudência do Tribunal de Justiça, tal como refletida no ponto 25 das Orientações de 2010, em apoio da afirmação de que, perante a falta de aceitação expressa, deve ser demonstrada a existência de uma aceitação tácita. Para o efeito, é necessário demonstrar, em primeiro lugar, que uma parte exige, expressa ou implicitamente, a cooperação da outra parte na implementação da sua estratégia unilateral e, em segundo lugar, que esta última cumpre esse requisito ao implementar tal estratégia unilateral.
75. Além disso, o n.° 57 do Acórdão Super Bock refere um outro elemento pertinente, uma vez que «a existência de um “acordo”, na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, […] pode ser demonstrada não só através de provas diretas, mas também com base em coincidências e indícios concordantes, na medida em que deles se possa inferir que um fornecedor convidou os seus distribuidores [a seguirem uma determinada condição] e, na prática, estes respeitaram [a condição] indicad[a] pelo fornecedor» (o sublinhado é nosso).
76. Daqui resulta que, no caso em apreço, em que não se afigura existirem condições contratuais diretas ou explícitas ou provas diretas do acordo entre a Cono e os seus compradores, importa examinar o que poderiam constituir as «coincidências e indícios concordantes» que permitem inferir, no caso de uma proibição de vendas ativas num território exclusivo, que o fornecedor (Cono) convidou os seus outros distribuidores/compradores a seguirem essa proibição e que estes, na prática, a cumpriram.
77. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio terá de examinar os factos relativos a dois elementos, que estão ligados e são cumulativos, visto que, se esses elementos estiverem presentes, demonstram, em conjunto, a existência de vontades concordantes e, consequentemente, de um acordo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE.
78. O primeiro elemento é o «convite», ou seja, a questão de saber se o fornecedor (Cono) convidou expressa ou implicitamente os outros compradores a absterem‑se de efetuar vendas ativas no território exclusivo. Tal convite pode assumir diferentes formas. Por exemplo, poderia ter sido feito através de uma comunicação específica dirigida a esses outros compradores (através de mensagens de correio eletrónico, cartas, cláusulas contratuais, notificações formais, medidas de retaliação ou outras ações semelhantes), pela qual a Cono os convidava a respeitar o território exclusivo e a proibição de vendas ativas sob pena de medidas de retaliação. O convite pode também ser feito por outro meio, ou seja, mediante a inclusão de menções ou condições específicas nas condições gerais do fornecedor, que poderiam, por exemplo, ser anexadas à fatura enviada aos seus distribuidores/compradores ou estar disponíveis de qualquer outra forma.
79. Considero que é possível estabelecer aqui um paralelismo com o n.° 52 do Acórdão Super Bock, que poderá ser interpretado sentido de prever implicitamente a exigência de o fornecedor informar os seus distribuidores/compradores, de forma proativa e clara, de que utiliza um sistema de distribuição exclusiva e de que existe uma proibição de vendas ativas, bem como de controlar o cumprimento desse sistema pelos mesmos (38). Por exemplo, o fornecedor deve comunicar essa informação a todos os seus compradores no momento da atribuição de exclusividade, bem como aquando de cada nomeação de novos distribuidores/compradores, devendo igualmente deixar bem claro que cada um deles é obrigado a cumprir esse sistema.
80. Daqui resulta que, para demonstrar a existência de um «convite», a análise teria de revelar uma vontade manifesta da Cono de proteger a Beevers Kaas no território exclusivo e teria de indicar o comportamento específico que a Cono esperava dos seus outros compradores.
81. O segundo elemento é «a aceitação» da proibição de vendas ativas acima referida pelos outros compradores. Pode também resultar de vários elementos, como um reconhecimento explícito dessa proibição (através da troca de cartas, memorandos internos no contexto de negociações contratuais) ou uma forma implícita de reconhecimento. Um reconhecimento implícito pode ser expresso, por exemplo, através da cessação ou ausência de vendas ativas pelos outros compradores no território exclusivo, ou pelo abandono da vontade dos compradores de procederem a essas vendas após notificação do fornecedor. Pode também ser demonstrada através da não contestação, por parte desses compradores, da proibição de vendas ativas nesse território ou ainda da aceitação das condições gerais, que fazem referência a essa proibição.
82. Para determinar a existência de um reconhecimento implícito, as «coincidências e indícios concordantes» acima referidos teriam de demonstrar claramente a vontade dos outros distribuidores/compradores de aceitar o convite do fornecedor para respeitar o sistema de distribuição exclusiva e de o cumprir. É o que aconteceria numa situação em que os distribuidores/compradores tivessem sido informados, mas optassem por não se opor a esse sistema e o aceitassem.
83. Não resulta do despacho de reenvio que qualquer outro comprador (com exceção das sociedades Albert Heijn) tenha atuado em violação ou contestado a proibição de vendas ativas. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se este facto, por si só, é suficiente para demonstrar a aceitação, por parte dos outros compradores, do eventual convite da Cono.
84. A este respeito, como sublinhou a Comissão, o facto — que resulta dos documentos submetidos ao Tribunal de Justiça — de nenhum dos outros compradores da Cono ter efetuado vendas ativas de queijo Beemster na Bélgica é um elemento pertinente, que o órgão jurisdicional de reenvio deverá ter em conta na sua apreciação, como uma das coincidências e indícios.
85. No entanto, tal circunstância não é, por si só, suficiente ou necessária para o efeito (39). Para determinar a existência de um acordo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, não basta apurar a inatividade dos outros compradores, sendo também necessário demonstrar a sua vontade de aceitar. A este respeito, a apreciação poderá abranger a questão de saber se um distribuidor/comprador está efetivamente em condições de entrar no mercado do território exclusivo.
86. Poderá, por exemplo, ser analisado o facto de os outros compradores do fornecedor se terem eventualmente queixado da proibição de vendas ativas no território exclusivo ou de a terem contestado (40) e, consequentemente, terem alterado o seu comportamento. Todavia, mesmo que um ou mais compradores se tivessem queixado dessa proibição ou a tivessem contestado, este fator não seria, por si só, indicativo da falta de aceitação tácita, se, apesar disso, continuassem a cumprir a proibição de vendas ativas (41).
87. Por outras palavras, considero que a mera inexistência de vendas por parte dos outros compradores no território exclusivo não é suficiente para demonstrar a aceitação de um convite da Cono por esses compradores.
88. Resulta das considerações precedentes que a condição da imposição paralela está preenchida se se puder demonstrar que existia um acordo entre o fornecedor e os seus outros compradores, ou seja, em primeiro lugar, que o fornecedor os convidou explícita ou implicitamente a aceitar a proibição de vendas ativas no território exclusivo e, em segundo lugar, que os mesmos manifestaram, pelo menos tacitamente, a sua vontade de aceitar essa proibição, o que deve ser determinado com base em coincidências ou indícios concordantes.
3. Resposta à primeira questão prejudicial
89. Pelo exposto, o artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010 deve ser interpretado no sentido de que a condição da imposição paralela é parte integrante desse artigo e que a simples constatação de que outros compradores não efetuam vendas ativas no território atribuído com exclusividade a um determinado comprador não pode ser considerada suficiente para demonstrar a existência de um acordo entre um fornecedor e os seus compradores relativamente à proibição de vendas ativas nesse território. Para determinar a existência de tal acordo, é necessário, em primeiro lugar, que o fornecedor tenha convidado, explícita ou implicitamente, esses outros compradores a adotarem um certo comportamento claramente definido no mercado, ou seja, a não efetuarem vendas ativas no território exclusivo e, em segundo lugar, que os compradores tenham, pelo menos tacitamente, manifestado a sua vontade de aceitar essa proibição, o que deve ser determinado com base em coincidências ou indícios concordantes.
B. Segunda questão prejudicial
1. Apreciação da segunda questão prejudicial
90. A segunda questão centra‑se com o momento relevante em que deve ter lugar a aceitação dos outros compradores, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de acordo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE. Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se basta que o fornecedor demonstre que os seus outros compradores aceitaram a proibição de vendas ativas apenas se e quando estes manifestarem a intenção de vender ativamente no território exclusivo.
91. Resulta do despacho de reenvio que esta questão se coloca num contexto em que, com exceção das sociedades Albert Heijn, os distribuidores/compradores da Cono aparentemente nunca se prepararam para realizar vendas ativas na Bélgica. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se se, para efeitos da aplicação do artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010, basta que a Cono proteja a Beevers Kaas das vendas ativas desses distribuidores/compradores se e na medida em que estes estejam preparados para efetuar tais vendas no futuro, ou se essa proteção deve ser assegurada a partir do momento em que a Cono celebrou um acordo com esses outros distribuidores/compradores.
92. Como foi explicado no n.° 51 das presentes conclusões, a condição da imposição paralela exige que o distribuidor exclusivo esteja protegido de vendas ativas efetuadas no seu território por todos os outros compradores do fornecedor na União Europeia.
93. Decorre da minha proposta de resposta à primeira questão que esta condição só está preenchida se os outros compradores aceitarem, explícita ou tacitamente, a proibição de vendas ativas no território exclusivo. Por razões de previsibilidade e tendo em conta o princípio da segurança jurídica, deve existir uma concomitância temporal suficiente entre o momento em que o fornecedor formula a proibição de vendas ativas e o momento em que os outros compradores a aceitam.
94. Para o efeito, deve ser demonstrado, com base em todos os elementos de prova (conforme discutido nos n.os 76 a 83 das presentes conclusões), que existia um acordo relativamente à proibição de vendas ativas. Como expliquei no n.° 34 das presentes conclusões, o artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010 prevê uma exceção (a uma exceção) e, por conseguinte, deve ser interpretado de modo restritivo. Além disso, não se justifica adotar uma abordagem demasiado branda relativamente à condição da imposição paralela e às proibições de vendas ativas, uma vez que o que está em jogo é uma restrição grave do direito da concorrência da União.
95. Daqui resulta que, para cumprir a condição da imposição paralela, não basta — para determinar a existência de um acordo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE — que o fornecedor possa demonstrar que os seus outros compradores aceitaram a proibição de vendas ativas apenas se e quando se preparem para efetuar tais vendas no território exclusivo.
96. Assim, enquanto o fornecedor não tiver obtido essa aceitação por parte dos outros compradores, não estão preenchidas as condições previstas no artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010 para que o acordo seja abrangido pela isenção por categoria.
97. Por outras palavras, como sublinhou a Comissão, essas condições só estarão preenchidas se os outros compradores tiverem aceitado a proibição de vendas ativas no território exclusivo e apenas a partir desse momento, não antes. Por conseguinte, se o fornecedor só obtiver essa aceitação no momento «X» em que um empresário se prepara para proceder a vendas ativas no território exclusivo, o benefício da isenção por categoria previsto no Regulamento n.° 330/2010 não se aplica durante o período anterior ao momento «X».
98. A este respeito, importa distinguir entre, por um lado, a existência dessa aceitação e, por outro, os elementos necessários para provar tal existência.
99. Este último aspeto é uma questão de facto, que deve ser analisada caso a caso, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes.
100. Cabe, por conseguinte, ao fornecedor demonstrar que essa condição está preenchida relativamente a todos os seus outros compradores, em princípio, durante todo o período para o qual invoca o benefício da isenção por categoria prevista no Regulamento n.° 330/2010 (42).
2. Resposta à segunda questão prejudicial
101. Daqui decorre que o artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010 deve ser interpretado no sentido de que, quando um fornecedor tenha atribuído um território com exclusividade a um determinado comprador, não basta, para efeitos da aplicação desta disposição, que o fornecedor possa demonstrar que os seus outros compradores aceitam a restrição das vendas ativas no território atribuído com exclusividade apenas se e quando se preparem para efetuar vendas ativas nesse território. Pelo contrário, para efeitos da aplicação desta disposição, o fornecedor deve demonstrar que a condição da imposição paralela está preenchida relativamente a todos os seus outros compradores no EEE durante todo o período para o qual invoca o benefício da isenção por categoria prevista no Regulamento n.° 330/2010.
C. Observações finais
102. Por uma questão de exaustividade, considero oportuno fazer algumas observações finais.
103. Cabe exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio determinar a qualificação jurídica dos contratos em causa no processo principal à luz de todos os esclarecimentos precedentes.
104. Em seguida, se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010 não é aplicável ao caso em apreço, terá então de determinar se o acordo de exclusividade restringe a concorrência na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE e, em caso afirmativo, se estão preenchidas as condições da exceção prevista no artigo 101.°, n.° 3, TFUE (43).
105. Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio deverá proceder a uma apreciação individual do acordo vertical em causa para determinar se está abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE e, em caso afirmativo, se restringe a concorrência por objeto ou por efeito, em conformidade com os critérios enunciados na jurisprudência do Tribunal de Justiça (44).
106. Em segundo lugar, caso o órgão jurisdicional de reenvio conclua que o acordo restringe a concorrência na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, esse acordo poderá, não obstante, ser compatível com o artigo 101.° TFUE, desde que as partes demonstrem que preenche as quatro condições cumulativas previstas no artigo 101.°, n.° 3, TFUE (45).
107. Como salientou a Comissão, o órgão jurisdicional de reenvio deverá então ponderar os aspetos pró‑concorrenciais e anticoncorrenciais do acordo no quadro específico de apreciação decorrente do artigo 101.°, n.° 3, TFUE, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes.
108. O órgão jurisdicional de reenvio deverá, nomeadamente, analisar a posição dos concorrentes da Cono, o poder de compra, a dinâmica do mercado, a natureza do produto e o nível de atividade das partes. Deverá igualmente determinar se o acordo que proíbe certos distribuidores de efetuarem vendas ativas num território atribuído com exclusividade a outro distribuidor (Beevers Kaas) gera ganhos de eficiência, no sentido de que este último tem de realizar investimentos (por exemplo, em equipamento específico, competências ou saber‑fazer) para desenvolver as vendas do produto distribuído nesse território, e se a proteção contra vendas ativas por outros distribuidores no referido território é necessária para estimular esses investimentos.
V. Conclusão
109. Proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Hof van beroep te Antwerpen (Tribunal de Recurso de Antuérpia, Bélgica) do seguinte modo:
(1) O artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento (UE) n.° 330/2010 da Comissão, de 20 de abril de 2010, relativo à aplicação do artigo 101.°, n.° 3, [TFUE] a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas
deve ser interpretado no sentido de que:
a condição da imposição paralela é parte integrante desse artigo e que a simples constatação de que outros compradores não efetuam vendas ativas no território atribuído com exclusividade a um determinado comprador não pode ser considerada suficiente para demonstrar a existência de um acordo entre um fornecedor e os seus compradores relativamente a uma proibição de vendas ativas nesse território. Para determinar a existência de tal acordo, é necessário, em primeiro lugar, que o fornecedor tenha convidado, explícita ou implicitamente, esses outros compradores a adotarem um certo comportamento claramente definido no mercado, ou seja, a não efetuarem vendas ativas no território exclusivo e, em segundo lugar, que os compradores tenham, pelo menos tacitamente, manifestado a sua vontade de aceitar essa proibição, o que deve ser determinado com base em coincidências ou indícios concordantes.
(2) O artigo 4.°, alínea b), i), do Regulamento n.° 330/2010
deve ser interpretado no sentido de que:
quando um fornecedor tenha atribuído um território com exclusividade a um determinado comprador, não basta, para efeitos da aplicação desta disposição, que o fornecedor possa demonstrar que os seus outros compradores aceitam a restrição das vendas ativas no território atribuído com exclusividade apenas se e quando estes se preparem para efetuar vendas ativas nesse território. Pelo contrário, para efeitos da aplicação desta disposição, o fornecedor deve demonstrar que a condição da imposição paralela está preenchida relativamente a todos os seus outros compradores no Espaço Económico Europeu durante todo o período para o qual invoca o benefício da isenção por categoria prevista no Regulamento n.° 330/2010.
1 Língua original: inglês.
2 Regulamento de 20 de abril de 2010, relativo à aplicação do artigo 101.°, n.° 3, [TFUE] a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas (JO 2010, L 102, p. 1).
3 O queijo Beemster é um queijo duro obtido a partir do leite de vaca. O seu sabor característico resulta dos seus ingredientes (leite de vacas alimentadas com erva cultivada em argila marinha num pólder 4 metros abaixo do nível do mar nos Países Baixos), bem como do facto de uma parte do processo de produção (a agitação da coalhada) ser feita manualmente e de a maturação dos queijos ocorrer em condições variáveis.
4 Regulamento de 22 de dezembro de 1999 relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 81.° [CE] a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas (JO 1999, L 336, p. 21).
5 Regulamento, de 10 de maio de 2022, relativo à aplicação do artigo 101.°, n.° 3, [TFUE] a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas (JO 2022, L 134, p. 4).
6 (JO 2010, C‑130, p. 1) (a seguir «Orientações de 2010»).
7 Em princípio, um «comprador» proporciona os seus produtos diretamente ao consumidor, enquanto um «distribuidor» fornece os seus produtos a outras empresas. Utilizarei ambos os termos indistintamente, uma vez que o presente caso não depende da distinção entre eles.
8 Acórdão de 8 de dezembro de 2005, Jyske Finans (C‑280/04, EU:C:2005:753, n.° 34). Sobre este tema, v. Lenaerts, K., «Interpretation and the Court of Justice: A basis for comparative reflection», International Lawyer, Vol. 41, n.° 4, 2007, p. 1011.
9 V. Acórdão de 4 de março de 2020, Marine Harvest/Comissão (C‑10/18 P, EU:C:2020:149, n.° 58). V. também, neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2020, Land Hessen (C‑272/19, EU:C:2020:535, n.° 68).
10 O conceito de «vendas ativas» é explicado no n.° 9 das presentes conclusões. Estas devem ser comparadas com as «vendas passivas», que consistem em responder a pedidos não solicitados de clientes individuais, incluindo a entrega de bens ou a prestação de serviços a esses clientes.
11 Todavia, esta proibição não pode limitar as vendas efetuadas pelos clientes do comprador exclusivo no território exclusivo.
12 V. n.° 27 das presentes conclusões.
13 Comissão Europeia, Wijckmans, F., e Jaques, S., Expert report on the review of the Vertical Block Exemption Regulation — Active sales restrictions in different distribution models and combinations of distribution models — Final report, Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo, 2021, p. 27. (a seguir «relatório de peritos»); o sublinhado é nosso.
14 V. ponto 51 das Orientações de 2010.
15 Esta interpretação pode igualmente ser deduzida do relatório de peritos, nota de rodapé 13, op. cit., v. pp. 27 e 28.
16 Por outras palavras, é necessário que um território exclusivo seja não só atribuído a um distribuidor/comprador, como a Beevers Kaas, mas também que esse distribuidor/comprador esteja protegido contra vendas ativas nesse território por outros compradores. Sem esta proteção, seria impossível, na prática, atribuir um território exclusivo, uma vez que, sem uma proibição de vendas ativas aplicável aos outros compradores e sem que estes cumprissem tal proibição, o referido território nada teria de exclusivo.
17 Acórdão de 24 de fevereiro de 2000, Comissão/França (C‑434/97, EU:C:2000:98, n.° 21).
18 V. ponto 164 das Orientações de 2010: «A distribuição exclusiva pode conduzir a ganhos de eficiência, especialmente no caso de serem necessários investimentos por parte dos distribuidores a fim de proteger ou desenvolver a imagem de marca. Em geral, o argumento dos ganhos de eficiência é mais convincente em relação a novos produtos, a produtos complexos, a produtos cujas qualidades são difíceis de apreciar antes do consumo ([…] produtos de experiência) ou cujas qualidades são ainda difíceis de apreciar mesmo após o consumo ([…] produtos de confiança) […]»
19 Refiro‑me a todos os outros compradores «no EEE» em vez de «na União», visto que o despacho de reenvio se refere às «[…] vendas ativas de todos os outros compradores no [EEE] no território atribuído com exclusividade» (o sublinhado é meu).
20 V. Acórdão de 26 de Outubro de 2023, EDP — Energias de Portugal e o. (C‑331/21, EU:C:2023:812, n.° 82 e segs.). V. também Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Coty Germany (C‑230/16, EU:C:2017:603, n.° 57) — relativamente ao mesmo regulamento e às mesmas orientações aqui objeto de análise ‑, em que este afirma que «não se pode excluir que o Tribunal de Justiça possa, no âmbito da sua missão de interpretação do direito da União, fazer suas as orientações e apreciações jurídicas contidas nessas orientações». V. igualmente Acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.os 210 e segs.), em que o Tribunal de Justiça recordou que as comunicações da Comissão, como as suas orientações, que se destinam aos operadores económicos, visam produzir efeitos externos, têm um alcance geral e são suscetíveis de produzir efeitos jurídicos).
21 Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, alínea h), do Regulamento 2022/720, entende‑se por «“sistema de distribuição exclusiva”, um sistema de distribuição em que o fornecedor atribui um território ou um grupo de clientes exclusivamente a si próprio ou a um máximo de cinco compradores e restringe a possibilidade de todos os outros compradores venderem ativamente no território exclusivo ou ao grupo exclusivo de clientes» (o sublinhado é meu).
22 JO 2022, C‑248, p. 1, ponto 219 (a seguir «Orientações de 2022»).
23 V. também Wijckmans, F., e Tuytschaever, F., «Active sales restrictions revised», ECLR (2004) 25(2), 2004, p. 110.
24 V. despacho de reenvio (versão linguística original), pgs. 19 e 20, n.° 2, segundo travessão.
25 O relatório de peritos, nota de rodapé 13, op. cit., p. 37, fornece um exemplo geral da cláusula de proibição de vendas ativas: «O [comprador] exercerá as suas atividades [nos territórios]. O [comprador] não pode efetuar vendas ativas em territórios exclusivamente reservados ao [fornecedor] nem em nenhum território atribuído com exclusividade a outro comprador designado pelo fornecedor».
26 Acórdão de 13 de julho de 2006, Comissão/Volkswagen (C‑74/04 P, EU:C:2006:460, n.° 37).
27 Ibid., n.° 39 e jurisprudência referida.
28 Acórdão de 6 de janeiro de 2004, BAI e Comissão/Bayer (C‑2/01 P e‑3/01 P, EU:C:2004:2, n.os 100 a 102).
29 Ibid., n.° 102.
30 V. ponto 25 das Orientações de 2010.
31 Acórdão de 29 de junho de 2023, Super Bock Bebidas (C‑211/22, EU:C:2023:529; a seguir «Acórdão Super Bock»).
32 V. Acórdão Super Bock, n.os 47 a 50.
33 Ibid., n.° 47.
34 Ibid., n.° 48.
35 Ibid, n.° 49.
36 Ibid, n.° 50.
37 V. ponto 25, alínea a), das Orientações de 2010.
38 O Tribunal de Justiça observa que o facto de um fornecedor enviar de forma regular aos distribuidores tabelas com indicação de preços mínimos de revenda (PMR) por si determinados, de lhes pedir que os respeitem, sob a sua monitorização, sob pena de medidas de retaliação e de poder aplicar margens de distribuição negativas em caso de incumprimento já não refletem um comportamento unilateral se os distribuidores respeitarem esses preços. O Tribunal de Justiça refere igualmente que o facto de esses preços serem, na prática, aplicados pelos distribuidores ou de a sua indicação ser solicitada por estes últimos, os quais, embora se queixem ao fornecedor dos preços indicados, não praticam outros preços por iniciativa própria, poderá refletir a aceitação por parte dos distribuidores dos PMR fixados pelo fornecedor.
39 V. Acórdão de 10 de fevereiro de 2011, Activision Blizzard Germany/Comissão (C‑260/09 P, EU:C:2011:62, n.° 82).
40 V. Acórdão de 11 de janeiro de 1990, Sandoz Prodotti Farmaceutici/Comissão (C‑277/87, EU:C:1990:6, n.° 11).
41 V. Acórdão Super Bock, n.° 52.
42 Todavia, é oportuno referir que, segundo as Orientações de 2022 (ponto 122), «[s]e, por razões de ordem prática e não com o objetivo de impedir as atividades comerciais paralelas, o território ou o grupo de clientes exclusivo não for protegido das vendas ativas de determinados compradores durante um período temporário, por exemplo, quando o fornecedor altera o sistema de distribuição exclusiva e necessita de tempo para renegociar as restrições de vendas ativas com certos compradores, o sistema de distribuição exclusiva pode continuar a beneficiar da isenção prevista no artigo 2.°, n.° 1, do [Regulamento 2022/720]». Resulta deste ponto das Orientações de 2022 que o período considerado se restringe ao tempo necessário para que a condição da imposição paralela seja preenchida.
43 V. ponto 47 das Orientações de 2010.
44 V. Acórdãos Super Bock, n.os 37 a 42, e de 18 de novembro de 2021, Visma Enterprise (C‑306/20, EU:C:2021:935, n.os 54 a 82).
45 V. Orientações de 2022, pontos 125 a 140.